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Data da notícia: 12 Julho 2023
CASTANHEIRA EM MOVIMENTO - REVISTA MUNICIPAL N.º5
A ÁGUA COMO PATRIMÓNIO
A água, fonte de vida, é um precioso recurso natural e também um bem cultural.
Ao longo dos séculos, pelo esforço de sucessivas gerações, é de singular e excecional valor o aproveitamento dos recursos hídricos neste território.
Se os covões naturais da Serra da Estrela eram demasiado distantes para a recolha e transporte das neves, seria do cimo do Cabeço do Pereiro, na cumeada das serranias do Coentral e Lousã, que o industrioso Julião Pereira de Castro mandaria construir os sete poços desta “fábrica das neves”. Restam três, juntamente classificados com a Capela de Santo António da Neve como imóveis de interesse público, cujo valor patrimonial, enquadrado na moldura paisagística envolvente, deve merecer especial atenção da autarquia, estando previsto para breve o lançamento do projeto de reabilitação daquele espaço. Por outro lado, da vontade dos municípios de Castanheira de Pera e do Cadaval em associar-se na preservação, valorização e melhor divulgação do património arquitetónico setecentista relacionado com o fabrico de gelo nas serranias da Lousã (Poços da Neve) e de Montejunto (Real Fábrica do Gelo), do protocolo de colaboração avançamos para a celebração do acordo de geminação.
Descendo ao Coentral, a água como património cultural corre nas levadas do complexo sistema de regadio que atravessa a aldeia em córregos entre o casario, de que são memória as contendas de finais de finais do século XVIII, na apelação feita à rainha D. Maria I para a resolução da disputa pelo uso comunitário das águas e a fixação das tabelas de correição.
Pedra sobre pedra, longos muros emparedam as margens da ribeira, dominando o seu curso, na sustentação dos botaréus e socalcos das estreitas leiras férteis duramente arroteadas e A ÁGUA COMO PATRIMÓNIO amanhadas.
São dezenas de açudes, de imemorial origem pré-industrial, no aproveitamento dos desníveis e das quedas de água que progressivamente vão aumento de tamanho e caudal, empregues pela graciosa força da natureza no labor cadenciado dos engenhos – moinhos, lagares, azenhas e pisões. Do velho pisão de maços ou martelos, batendo o apisoar dos tecidos grosseiros de lã, ficaram os topónimos Pisões, Pisão da Teresa, Pisão da Baeta, Pisão Novo e Pisão do Vermelho. Seguiu-se o rodar das engrenagens das cardas e das fiações das primeiras fábricas. E, assim, do progresso da indústria de lanifícios, simbolizado na heráldica pela roda hidráulica, se alcançou a emancipação municipal e a fundação dos paços concelhios.
Excecional, foi também o aproveitamento hidroelétrico da dezena e meia de turbinas instaladas ao longo do curso da Ribeira de Pera, fazendo da água corrente nas levadas um gerador de riqueza.
Já sem rodas, rodízios ou turbinas, na alvorada deste milénio demos às águas da Ribeira novos usos económicos, na valoração dos recursos aplicados aos lazeres turísticos e balneares. Se a construção da Praia das Rocas seria inimaginável décadas atrás, quando águas corriam tintas dos efluentes da indústria têxtil, mergulhar numa piscina de ondas a 80 km do mar trouxe, pela singularidade e arrojo deste empreendimento âncora, mais notoriedade ao território. Hoje, a superação da sazonalidade faz-se, entre a serra e a ribeira, pela dinamização de novos segmentos do turismo de natureza, que abrem a contemplação dos horizontes ao traçar de rotas e percursos pedestres, combinadas com a conscientização da comunidade para a valorização da paisagem e a conservação da natureza.
Motiva-nos ainda esta estratégia a olhar para a preservação das galerias ripícolas e a reabilitação de espelhos de água, com destaque para a criação da Rota dos Açudes e para o conjunto de intervenções previstas para a praia fluvial do Poço Corga.
António Henriques
Editorial
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